Tu chegaste à minha vida num dia em que eu não te esperava. Chegaste e foste ocupando todos os espaços que havia em mim para ocupar até não restar espaço para mais nada nem mais ninguém. Chegaste, ocupaste todos os espaços, mas não me quiseste revelar o mais recôndito do teu ser. Dizias-me que não tinhas de o fazer. E talvez tivesses razão. Porque afinal duas pessoas são duas pessoas. E cada uma dessas pessoas precisa do seu espaço vital para poder respirar… Precisa tão desesperadamente desse espaço como os pulmões precisam de oxigénio para poderem continuar a funcionar. Infelizmente, muitas vezes não pensamos nisto desta maneira tão crua e tão directa. Queremos saber tudo acerca do outro e pensar que não existe espaço para a individualidade de cada um. Digo-o por mim próprio. Mas queria dizer-te também que numa relação existem duas pessoas que se escolheram mutuamente para partilhar uma vida e o que essa vida lhes trouxer de bom e de mau. E para isso é preciso arriscar dar um passo mais à frente...
Tu nunca quiseste dar esse passo. Dizias-me que não ias mudar, como se eu te tivesse pedido algum dia, uma única vez, que o fizesses. Mas sabes bem – e isto disse-te muitas vezes – que uma relação só resulta se as duas pessoas nela envolvidas aprenderem a fazer cedências. E acredito que isso não compromete em nada a nossa personalidade. Aprende com o barro que é moldado pelas mãos do escultor: ele não perde as suas propriedades quando é amassado, manuseado e transformado em obra de arte. Muito pelo contrário. Mantendo todas as propriedades intrínsecas que o definem naquilo que ele é, ele adquire contudo uma mais-valia em relação ao seu estado bruto anterior.
Tu também não comprometes a tua personalidade se deixares abrir uma brecha nessa muralha inexpugnável que foste erguendo em teu redor e em que gostas de te esconder aos olhos do mundo. Agora eu sei que é difícil a um amor, mesmo a um grande amor, vencer e transpor uma muralha como essa, mesmo que use todas as armas e reúna todas as forças para o conseguir. Porque dentro dessa muralha, bem lá no fundo, existe ainda uma cave onde escondes aquilo que não queres que ninguém saiba sobre ti. Como alguém escreveu: "Everybody has two sides. The side we show the world and the side we try to hide".
Eu também possuo algures uma cave onde escondo aquilo que não quero expor aos olhos do mundo. E é por isso que eu não percebo o sofrimento que sinto se afinal concluo que as coisas são mesmo assim. Mas arrisco uma explicação. Será por acreditar que contigo iria ser diferente. Que contigo poderia desnudar-me completamente, corpo e alma. Que contigo não teria nada a esconder porque eras o meu mundo e nesse mundo tudo nos era permitido… Até desvendar o segredo mais íntimo e o mistério mais bem guardado...