Decidi que um dia destes vou deixar de fumar. A sensatez da idade exige-me que o faça e não tente adiar mais a decisão. Já não sinto o mesmo prazer que costumava sentir. O cheiro a fumo de tabaco no corpo e nas roupas começa a incomodar-me. As preocupações com a saúde e o bem-estar físico começam também a falar mais alto. Não sei se vou conseguir deixar os cigarros de vez, pois tentei deixar de fumar várias vezes e nunca consegui. Porque eu penso que deixar de fumar não significa apenas apagar o cigarro. A verdadeira solução para deixar de fumar é não voltar a acendê-lo. Porque se, num momento de crise, acendemos um cigarro estamos feitos. Falhámos. Podemos apagá-lo logo a seguir, arrependidos, podemos apagar mais cinco nesse dia ou no dia seguinte, mas o mais provável é regressar ao velho hábito de fumar uns vinte cigarros por dia. Deixar de fumar é tão difícil que não sei até que ponto não faria sentido promover-se umas reuniões do tipo "Alcoólicos Anónimos", mas dedicadas apenas a ex-fumadores. O participante levantava-se, apresentava-se aos restantes ex-fumadores e, com um sorriso de orelha a orelha, anunciava: "Já não fumo um cigarro há um mês". Toda a gente aplaudiria e com razão, pois deixar de fumar é mesmo um feito notável.
Já passei por fases da minha vida em que fumava compulsivamente. Algumas vezes sentia-me dependente da nicotina. Não me passava pela cabeça adormecer sem fumar um último cigarro. Era capaz de sair de casa a meio da noite, se preciso fosse, enfrentando estoicamente a chuva, o vento e o frio, só para comprar um maço de tabaco. Caso fosse impossível sair, amaldiçoava o mundo e deitava-me à espera de um milagre: adormecer. De manhã, quando acordava, das primeiras coisas em que pensava era fumar um cigarro, embora seja incapaz de o fazer em jejum. E então apressava-me a tomar o pequeno-almoço para poder meter nicotina nas veias o mais depressa possível e fornecer aos meus pulmões a sua dose diária de veneno. Estudar sem cigarros era impossível. Mal começava o estudo e já precisava de fumar. Interrompia o estudo para fumar um cigarro. Quando acabava o estudo, fumava outro. Se precisava de pensar em qualquer outra coisa para fazer, tinha de pedir ajuda ao cigarro. Se uma conversa estivesse interessante, apetecia-me fumar; se uma conversa não estivesse interessante, ainda me apetecia fumar mais. Se estivesse a passar um bom bocado, fumava por me sentir satisfeito; se estivesse aborrecido, fumava por estar aborrecido. Na ilusão de que apenas com o cigarro é possível acalmar, concentrar, relaxar… E, de facto, psicologicamente era o que sentia, o que me levava a fumar mais e mais…
Nessas fases, que felizmente não duravam muito tempo, podia associar o cigarro a praticamente qualquer actividade, pois o que eu queria era arranjar desculpas para acendê-lo. E esse impulso irracional comandava a minha vida ao ponto de quase inviabilizar relações. O meu primeiro namorado não fumava, detestava que eu o fizesse e estava sempre a censurar-me. Até ao dia em que me virei para ele e lhe disse, muito convencido da justeza da minha posição: "Se alguém quiser ficar comigo, tem de me aceitar como eu sou e as coisas que eu gosto de fazer. E isso inclui fumar". Nem mais. Porque em todas as situações, em todos os momentos, o cigarrinho é o melhor amigo do fumador e não conseguimos abdicar dele, nem por um grande amor. É que quando se acende um cigarro a seguir ao outro, parece um acto natural, quase uma extensão do nosso próprio corpo; contudo, se pensarmos sem a camuflagem psicológica do fumador, concluiremos que respirar fumo e enfiar veneno no sangue é profundamente irracional. Mesmo que um dia nos tenham convencido do contrário e de que fumar é um acto 'cool', na verdade é uma grande estupidez. Aliás foi assim que mais ou menos toda a gente se iniciou no vício, porque fumar era um acto 'cool' e uma prova de rebeldia. Também eu comecei assim, muito cedo, por volta dos meus 15-16 anos, às escondidas, no pátio do liceu. E desde então nunca mais larguei os cigarros, embora muitas vezes o ritmo com que fumava fosse muito baixo e levasse a interrogar-me sobre as razões por que o fazia.
Embora esteja a atravessar uma fase menos boa da minha vida, tenho controlado esse meu vício pouco saudável e – surpresa das surpresas – ainda não bati com a cabeça nas paredes. Desde segunda-feira que não fumo e não estou a contar os dias sem o tabaco como se fosse um condenado. É verdade que ando mais impaciente, mas quero acreditar que vou conseguir, nem que seja reduzir a mínimos históricos a dose diária de nicotina. Se conseguir abandonar o tabaco de vez, não me tornarei um fundamentalista anti-tabagista, pois detesto todas as formas de fundamentalismo. Continuarei a conviver pacificamente com gente que fuma e com gente que não fuma e, a não ser que me peçam, não chatearei ninguém com as minhas histórias…