Ao recorrer ontem a uma repartição pública cá do burgo, pude assistir a um episódio verdadeiramente lamentável e que nos tempos que correm é absolutamente inaceitável, principalmente quando se trata de um serviço público, que em princípio deveria tratar todos os cidadãos de igual maneira. Além disso, o episódio que presenciei revela a manifesta incapacidade de alguns funcionários públicos no contacto com os utentes. E, neste caso em particular, a arrogância e a estupidez do dito funcionário, que se esqueceu que está ali para servir os cidadãos e não apenas para ocupar algum do seu tempo e receber um salário ao fim do mês.
O episódio a que assisti é muito simples de contar. Estava eu numa fila para um dos guichets e à minha frente aguardavam a sua vez duas pessoas. Uma senhora de certa idade, ar simples do povo, provavelmente sem qualquer grau académico e de recursos económicos limitados. Atrás dela outra senhora, mais nova, muito bem vestida, aparentemente de estrato social mais elevado e com um estatuto económico confortável. Quando chegou a vez da primeira senhora ser atendida, o funcionário, com ar bastante arrogante e indisposto, pede-lhe vários documentos, entre os quais o bilhete de identidade. A senhora, mais ou menos atrapalhada, procura apressadamente os documentos mas não consegue descobrir o B. I.. Nesse momento e perante a demora, o dito funcionário começa a barafustar com a senhora, alegando que está a perder muito tempo e que tem mais utentes para atender. O que é certo é que finalmente a senhora encontrou o B. I. e a indisposição do funcionário não prosseguiu por esse motivo. O pior estava para vir. Mal pôs os olhos no B. I. da referida senhora, o funcionário começou imediatamente a vociferar, dizendo para quem quisesse ouvir que aquilo era uma fraude e que se tratava apenas duma fotocópia (!). Nada adiantou à pobre senhora dizer que aquele era mesmo o seu B. I., que era com ele que tratava de todos os assuntos e que ninguém até ao momento tinha levantado problemas. Ao ver que nada conseguia do funcionário, a velha senhora já se preparava para ir embora, quando a outra senhora que estava à minha frente resolveu intervir e chamar à razão o funcionário. Que aquilo era mesmo um B. I., que não se tratava de uma fotocópia e que apenas estava amarrotado porque a qualidade do plastificado deixava muito a desejar. O senhor funcionário, muito a custo, ergueu os olhos e, ao ser confrontado por aquela senhora de porte elegante e conversa desenvolta, o seu tom de voz mudou completamente. Ou seja, perante alguém que o seu cerebrozinho identificou imediatamente como pessoa rica, não teve coragem de negar a evidência e lá prosseguiu o atendimento da pobre senhora, visivelmente contrariado.
Este triste episódio vem demonstrar como a discriminação existe a propósito de tudo e de nada. Neste caso, uma pessoa que provavelmente tem um nível de instrução elementar e parcos recursos financeiros seria completamente cilindrada pela estupidez arrogante de um funcionário se não fosse a intervenção de outra pessoa com a aparência de um estatuto social e económico mais elevado. Pois, mas este continua a ser o país que temos, em que a discriminação entre ricos e pobres está patente por todo o lado. Até no atendimento de uma reles repartição pública situada algures neste jardim à beira-mar plantado...