A propósito do enredo de novela mexicana em que se transformou a nomeação do novo Provedor de Justiça, com os dois maiores partidos do espectro político português a digladiarem-se para colocarem na cadeira alguém do seu círculo político ou de amizades, apeteceu-me abordar aqui a questão de fundo que nestas ocasiões vem sempre ao de cima. É que olhando bem à história recente do país, vê-se facilmente que os partidos políticos portugueses nunca tiveram sentido de Estado. Podem perguntar-se o que é que eu quero dizer quando uso esta expressão. Pois bem. Na minha perspectiva, sentido de Estado é a obrigação que os partidos deveriam assumir no sentido de concertarem posições entre si e ultrapassarem divergências político-ideológicas, nomeadamente quanto a aspectos fundamentais na estruturação de um país, como sejam a saúde, a educação, a justiça, o trabalho, a fiscalidade, entre outros.
Infelizmente, o que se vê é que cada vez que o país muda de governo, mudam também as políticas. Até aqui tudo bem, porque todos os partidos têm um projecto político que submetem à apreciação dos cidadãos no momento da ida à urnas e, se esse projecto político sai vencedor, o partido que o sustenta tem o direito e o dever de o pôr em prática na governação do país. Mas já me custa mais a compreender que a mudança de governo e de políticas nas diversas áreas da governação deite por terra tudo aquilo que o governo anterior realizou, com o pretexto de se fazerem novas reformas. Uma vez na oposição, o partido que anteriormente ocupava a cadeira do poder passa a não ter outro objectivo senão minar a governação do partido que se lhe seguiu. E o caso repete-se quando esse partido recupera o poder e volta a revogar as reformas que entretanto foram feitas, iniciando assim um período de novas pseudo-reformas. Para mim, esta forma de fazer política revela uma falta confrangedora de visão de Estado a longo prazo. Parece que neste país se está sempre a começar do zero. Neste sentido, arrisco-me a dizer que Portugal é um país eternamente adiado, vítima de um regime político-partidário que se move sobretudo por interesses mesquinhos e se esquece das grandes reformas estruturais que era necessário implementar.
É por isso que, a propósito da escolha do Provedor de Justiça e de outras escolhas semelhantes, vemos um triste espectáculo mediático. Desde que me conheço por gente e que me preocupo minimamente com o que me rodeia, que vejo este jogo em que se envolvem os partidos da situação. É a constante dança das cadeiras. São os jogos de bastidores para ver quem coloca nos centros de decisão mais gente de confiança política. Depois, em maré de eleições, todos os políticos e comentadores se admiram com as elevadas taxas de abstenção. Não será porque a política e, sobretudo, os políticos estão cada vez mais desacreditados junto da opinião pública? Não será porque os políticos colocam os seus próprios interesses político-partidários à frente dos interesses das pessoas e do bem comum dos cidadãos?
Por isso mesmo, para que Portugal entrasse definitivamente no bom caminho, era necessário que, ao menos os partidos com vocação de poder, assumissem uma posição responsável e se deixassem de uma vez por todas de politiquices bacocas que só têm prejudicado o país e o têm afastado cada vez mais dos níveis de desenvolvimento e bem-estar dos seus congéneres europeus. Que se entendessem ao menos quanto às questões estruturantes na vida do país e poupassem os cidadãos ao triste espectáculo da política provinciana e caceteira à boa maneira do século XIX…