Ontem aproveitei a minha tarde livre para fazer uma das coisas que mais gosto: estar com os amigos, os amigos verdadeiros, que vão sendo cada vez menos. Fui almoçar com o P., um dos poucos amigos de infância que ainda mantenho. De facto, a maioria já se dispersou e dos poucos com quem ainda mantenho contacto, uns têm namorada enquanto outros já casaram e não têm tempo nem disponibilidade para sair e estar com os amigos. Durante o almoço com o P., fiquei a saber que a direcção da empresa onde trabalha como engenheiro desde que concluiu a licenciatura está a pensar seriamente em dispensar pessoal. Por isso, o P. tem-se desdobrado em enviar curricula para tudo o que é lado. Disse-me também que está a pensar em aceitar uma proposta de trabalho na Alemanha, embora por um período limitado mas com boas possibilidades de vir a integrar os quadros da empresa. Só que, entretanto, a namorada ficou grávida. Diz que quer assumir a paternidade da criança mas que por enquanto ainda não pensa em casar. Conhecendo eu a família da namorada, penso que vai ser difícil ao P. contornar a questão doutra maneira, mesmo com os problemas de trabalho e da eventual ida para a Alemanha pelo meio. De facto, não sei... Até eu, se não fosse o sol e o mar ao pé da porta, era bem capaz de experimentar outras paragens. Porque viver num país profundamente atávico e eternamente deprimido já começa a cansar... Como o P. tinha de tratar de umas burocracias, rapidamente tomámos café, despedimo-nos e cada um foi à sua vida.
Estava eu a entrar no carro, ainda no estacionamento do centro comercial, quando recebo uma chamada da minha amiga G. que me pergunta se eu quero ir ver o novo filme do Gus Van Sant. Nem mais. Sabendo ela que Gus Van Sant é um dos meus realizadores preferidos, não podia ter melhor isco para me apanhar. E eu que ando há já algum tempo para ver o filme, lá acedi e aceitei o convite. Depois de tratar de uns assuntos, fui para casa, tomei um duche, troquei de roupa e à hora marcada lá estava eu preparado para ir apanhar a G.. Fomos jantar ao restaurante chinês da terrinha e mais uma vez comi um daqueles pratos chineses inomináveis e muito bem condimentados. Em seguida, rumámos ao cinema. Vimos o filme e devo dizer que gostei. Mas de "Milk" falarei noutra oportunidade. O certo é que depois da sessão fomos beber um copo a um bar próximo. Entrámos e pusemo-nos à conversa sobre o filme. Rapidamente, a conversa descambou para o tema da homossexualidade e para algumas pessoas que conhecemos e que não se assumem para a sociedade. No meio da conversa, eu que tenho a piada parva na ponta da língua (tem dias...), saio-me com esta: "Olha, eu sou metrossexual. Comigo o sexo é só ao metro!". Por sua vez, a G. dispara com esta: "Pois, podes ser o que quiseres. Até podes ser homossexual, que eu não vou deixar de gostar de ti". E eu, num impulso completamente impensado, digo-lhe mais ou menos isto: "Ainda bem que falaste nisso. É isso mesmo que eu sou. E é por isso que eu não quero nem posso envolver-me contigo". "És o quê?", pergunta ela. "É o que ouviste: sou gay!". Escusado será dizer que o rosto da G. se tingiu de todas as cores e até eu senti o chão fugir por debaixo dos meus pés. Mas estava dito! Não havia volta a dar... Apesar da naturalidade que ela procurou imprimir à conversa, senti que havia muito desconforto e preconceito. Por mim, senti-me completamente desnudado perante uma mulher, o que para um gay também não deixa de ser desconfortável. Durante o resto da noite, não houve outro assunto de conversa. Mas a conversa também não durou muito mais. A G. trabalhava hoje de manhã e por isso tinha de ir mais cedo para casa. Saímos, fui levá-la a casa, despedimo-nos e regressei ao meu cantinho. Desde ontem, ainda não falámos. Não sei como irá ser a reacção dela quando nos reencontrarmos, precisamente porque ela mantinha a esperança de que pudéssemos ter algo mais do que uma simples amizade. Neste momento, sinto um misto de sentimentos contraditórios. Por um lado, sinto-me mais aliviado, porque não tenho de andar a alimentar eternamente uma vida dupla, mas, por outro lado, apreensivo, porque não quero perder a amizade dela nem quero que a minha orientação sexual seja tema de conversa à mesa do café. No entanto, esta situação, tão inesperada que ainda me sinto meio atordoado, veio confirmar aquilo que eu previa: que 2009 iria ser um ano de pequenas e grandes mudanças na minha vida e que iria fazer coisas que nunca pensei fazer. Pois bem, isso já começou a acontecer...